sexta-feira, 18 de novembro de 2005

Fetiche


Cabem as mais diferentes porcarias sempre com uma boa desculpa… é fetiche. Sodomia, maso-sadismo, halterofilismo, o corpo besuntado com comida, banhos de chantili entre pêlos ou púbis rapadas, lutas de lama, frascos com pós que aumentam os músculos, algemas, cuecas pequeninas, wc’s de aviões, de discotecas, bancos do carro, tabeliers, relva, dispensas, quartos de irmãos, cama dos pais, rendas, folhinhos, cremes, tintas, sedas, tigresas, cera, objectos cortantes, silicones, botox, wonder-maravilhas para rabos e maminhas, tatuagens… enfim, um sem número de artefactos implícitos nos comuns conceitos de malícia e perversidade.
“É um fetiche que tenho!” ouvimos. Podemos, então, sujeitar-nos ou não aos caprichos, imposições ou meras sugestões dependendo da vontade, do agrado ou da submissão.
Geralmente vem dos homens.
Os homens sugerem aquilo que as mulheres desejam.
As mulheres que sugerem são porcas, são desavergonhadas.
Os homens que sugerem são criativos e dinâmicos. É impressionante a diferença que têm o sexo de quem sugere.
Ao homem muito mais é permitido do que à mulher. Há uns tempos escrevi isto, ou pelo menos disse: num primeiro encontro o homem que não insiste é tão mau como a mulher que se deixa ir. O homem que num primeiro encontro não tenta ir até ao limite é fraco, é panhonha e provavelmente nem sequer é másculo… a mulher que se deixa ir é fácil, descartável e em última instância não serve para namorar. Então porque se exige um comportamento que sugere algo que, na realidade não se deve concretizar se se pretende uma relação futura? É um perfeito contra-senso. Mais. A maioria das pessoas, homens ou mulheres procuram essa relação futura. Querem dar de caras com a tal cara-metade que estará algures perdida na multidão de gente com que se cruzam ao longo da vida.
Não faz sentido e é uma irracionalidade que alimentamos com os preconceitos societais impostos pela mentalidade portuguesa mesquinha. A frase “na horizontal somos todos iguais” é aparentemente de uma enorme brutalidade, mas reduz a uma simplicidade uma verdade inesgotável. Independentemente dos preconceitos, fetiches todos temos….e como diz o “outro” – um qualquer e qualquer um – andamos todos ao mesmo.

quarta-feira, 16 de novembro de 2005

Euromilhões

enquanto o dia é mais ou menos igual ao de ontem , e muito provavelmente parecido com o de amanhã, acho que vou ver os tais investimentos. Mas confesso, preferia ser dondoca. Aliás, adorava ser dondoca. Adorava ter pasta, money, argent, pastel, cacau, massa, estar cheia dele, saltar-me dos bolsos, ser podre... Adorava. Digo já aqui, para o caso de ganhar um Euromilhões que não jogo, o que faria se fosse milionária:
- Comprava uma volta ao mundo...
- Um prédio com 8 andares, e arrendava todos.
- Uma casa, tipo quinta, palácio, palacete (até me tremem as mãos só de escrever!) em plena Lisboa.
- Criava uma empresa de transportes nacionais (para substituir a velha Resende e a famosa Eva, que me entala as pernas em cada viagem que não consigo evitar fazer).
- Oferecia ao país uma extensão do metro até ao aeroporto.
- Jogava na bolsa, no casino e no bingo até ao máximo imposto por mim, e pelo meu advogado, queria o não-sei-quê martins candidato a Presidente da República, de 50 mil euros.
- Tirava um curso de arte dramática só pelo prazer.
- Inscrevia-me novamente - e com vergonha na cara - no ginásio dos senhores Holmes e Place com link internacional.
- Oferecia um pé de meia, a meia e até o sapato às manas.
- Criava um centro Cultural na Vila dos Arcos de valdevez.
- Comprava um T3 ao B e... um carro novo - eu meu nome, está claro!
- Um flat em São Paulo.
- Um 18m2 em Paris.
- O máximo de terrenos que conseguisse...
- Um canal de televisão...
- Um rim novo
- Uma fábrica de sapatos
- Um kit de maquilhagem profissional
- Uma massajista tailandesa
- Um cabeleireiro
- Perucas de todas a cores, feitios, formas ....
- Uma televisão de écran XPTO
- Uma Play Station
- Uma Barbie (nunca tive...)
- Um partido político
- Vários políticos
Se ganhasse o Euromilhões, que não jogo, acho que teria de ser internada. É a velha mania das grandezas....

sexta-feira, 11 de novembro de 2005

pilas

O Simão é um bébé que eu conheço. Chamo-lhe os mais diferentes nomes: “pirulas”, “pilas”, “beps”, “poki”, “pokipoki”, “merilino”, “bolas”, “bolinhas”, “lirulas”, “liruliru”, “calhoto”, “ximoca”, “ximi, “xims”, “mãozinho”, bebé e muitos outros que prefiro nem sequer escrever.
Este efeito que os bebés provocam em nós, adultos faz-nos parecer ainda mais infantis do que eles próprios. Às vezes chamo ao Simão “lirulas” ou “pilas” e ele ri-se. Sorri mesmo, com uma expressão que também me faz sorrir. Provavelmente pensará, chamares-me pilas???
Pilas??? E solta uma gargalhada. Também eu soltaria uma se me chamassem pipis. E até poderiam chamar com mais propriedade porque afinal todas as Filipas são “pipas”, “pipis” e outros nomes parecidos. Mas Simão não tem nada a ver com pilas, muito menos com “lirulas”. Voltando às pilas, se fosse “pilinhas” ainda se percebia, agora “pilas”, não faz sentido nenhum – ainda só tem seis meses. Já “lirulas” parece adjectivo para maluquinho. “poki” é mais de desenho animado, “calhoto” vem de porcalhoto, mas ai também teria de ser condescendente. Se está porcalhoto é porque não lhe mudaram a fralda. Nada disso. Mas soa bem. Chamar a um bebé “pirulas” com aquela vozinha adulta a fazer-se de infantil sabe bem.
Sabe bem ver um “beps” a rir, sabe bem pegar nele dar-lhe abracinhos, e vê-lo cair de sono. Agarrar aquelas mãozinhas gordalhufas e fazer “festinhas de gato” e pensar que ele gosta mais de nós do que do outro que está ao nosso lado.
Patetas ou não, não resistimos a fazer gracinhas para ele nos devolver outras, a agacharmo-nos e imitarmos patos ou grunhirmos ou ladrarmos ou miarmos como se quiséssemos que ele também imitasse esse sons ou pelo menos os reconhecesse. O mais estranho é raramente sermos adultos ao pé dos bebés, porque no fundo é isso que queremos que ele cresça não a grunhir, nem a miar, nem a ladrar, nem a responder a uma chamada de “poki”, “lirulas”, “calhoto”, “bolinhas” ou “pilas” (e aqui já depende de como ele se desenvolver!), mas que fale e que saiba que é o Simão. Tenho de deixar de ser pateta.

Uma amiga

Temos imensos amigos e ás vezes nem nos lembramos como gostamos deles. Para mim, amigo é aquele que consigo dizer mal mas não permitam que o façam. É essa a condição sine qua non para considerar meu amigo.

Está aqui uma amiga sentada ao meu lado, meia inóspita, provavelmente a pensar na sua vida e eu na dela. Está a ver-me escrever, sem ler e a fumar um cigarro com as unhas pintadas de castanho escuro.

Somos totalmente diferentes. Ela é loira, olho azul mar, estreita, pequenina, muito senhora. Eu sou morena, ombros largos osso proeminente, não envolto em carninha. Ela gosta das festas, do social, das conversas de ocasião.
Adora coleccionar cromos que a bajulam a cada momento. Eu também adorava, noutro tempo. Os cromos são como os sapatos que transbordam do roupeiro do quarto, aliás do closet - ela tem um closet.
Vive numa casa com cortinas indianas transparentes e tapetes da Casa do Campo. Come fatias finas de fiambre do lombo, sem gordura e sem pão e tabletes de chocolate partidas em quatro quadrados gigantes. Bebe champagne na mesa de tampo de vidro da sala e fuma um cigarrito sem travar, realçando as unhas das mãos arranjadas.
É vaidosa. O espelho da casa de banho é enorme, e em baixo tem uma pedra que sustenta perfumes, cremes para todas as partes do corpo, maquilhagem para qualquer ocasião e bijuteria cara de qualidade evidente.
Tem uma balança transparente, e uma máquina anti-celulite. No hall espalham-se quadros, retratos estilizados por uma amiga pintora que realçam os seus mais finos traços.
No frigorífico tem colada a dieta Kellog’s Special K e na varanda um barbecue que nunca estreou. Não há roupa que não se use naquela casa. Não usa, dá. Não se renova e quando a espiral da moda voltar ao mesmo lugar, não recupera e nem sequer tem saudades. Não se lembra. Compra-se outra. Tem um portátil profissional e uma aparelhagem transparente e luminosa (encrustada???) na parede.
O sofá é enorme e ao lado uma mesa que guarda garrafas de wiskey despejadas à semana e colas light. Há bombons por todo o lado. Toda a casa é um bombom. Ela é um bombom. Sinto-me bem ali.
Ralha-me muito, é arrogante. Não gosta das pessoas que eu gosto. Às vezes é antipática. Tem humores. Mal agradecida. Impõe-se. Já me envergonhou quando se envergonhou a si própria. Nem sempre mostra como é. Não deixa que lhe toquemos no fundo. Tem um bom fundo. É como a sua própria casa. Não é a minha cara, não poderia ser. Mas gosto muito de lá ir, sinto-me bem lá.

Saltos

Estava a pensar em temas sobre os quais poderia escrever.

Lembrei-me dos saltos dos sapatos, esses misteriosos andaimes, que podem transformar uma menina em mulher ou uma mulher em menina.
Os saltos são maquilhagem em cara deslavada. São cinto em jeans simples. São cortinados em janelas grandes. Quem anda de saltos está lá em cima, que anda sem eles, está cá em baixo.
De saltos somos altivas, falamos com propriedade, com autoridade, com pretensão. Convencidas e nunca vencidas. De rasos somos hippies, revolucionárias, estamos confortáveis, e vemos tudo com outra lucidez. Sentimos a pedras, não tropeçamos nelas. Andamos com segurança, sem medo de cair, de escorregar.
Com saltos bamboleamos, realçamos as nossas curvas, abanamos o rabo e temos dores nos pés.
Salto é de direita, raso é de esquerda. O salto é Gambrinus, é japonês chique. O raso é peixe grelhado à beira mar ou Bica do Sapato. Salto é Comporta - na variante de “cunha” – como raso é Sagres ou Gerês.
Sem saltos, esticamos as pernas, sentamo-nos num passeio, corremos sem parecer ridículas e temos dores nas costas. Os saltos obrigam-nos a beber pelo copo. Com rasos bebemos pelo gargalo. Saltos são descapotável, rasos são carocha, ou bicicleta. Saltos estão para natação, como rasos para bodyboard.
Saltos são bons para calças compridas, rasos são melhores para calções. O ideal é ter sapatos de todos os formatos e para todas as estações. Ultimamente ouvi falar do meio salto… é uma solução.

Do amor não percebo nada. Mas sei algumas coisas - presumo que o básico. Acordar de manhã a pensar numa pessoa que faz o meu coração acelerar e o estômago contorcer-se com dores que cortam o apetite. Dar-me uma vontade gigante e súbita de ir à casa de banho antes mesmo de sair de casa já atrasada para o tal encontro marcado. Pensar na véspera no que vou vestir, se a depilação está feita, se a perna não arranha e se debaixo do braço não houve qualquer esquecimento.
Faz-me andar com um blush na carteira que uso imediatamente antes de sair do carro, ou no vestiário de uma loja qualquer. Obriga-me a pensar se as meias não estão coçadas – para não dizer rotas – e ver se o soutien e as cuecas não fazem lembrar a minha avó. Faz-me andar com um carregador de bateria para telemóvel no carro e memorizar dois números de telefone e procurar rede ao fim de uma hora sem ela. Impõe-me na memória acontecimentos do dia para ter histórias ara contar. Abre-me sorrisos estúpidos em filas de trânsito no regresso a casa. Dá-me tristezas e alegrias, saudades e vergonhas, abre e corta-me o apetite. Faz-me pensar se o fio dental é porcalhão ou sexy, se o verniz vermelho é ousado ou arrogante, se o gloss é espontâneo ou com efeito premeditado.
Vistas a coisas desta maneira, o amor acaba por ter um efeito estranhíssimo. Faz de mim mulher. Só isso?

livros

Escolher livros sempre foi para mim um problema. Entro numa livraria e perco-me com os títulos que me apetece ter e aqueles que me apetece ler. Geralmente os que me apetece ter são mais romanceados, são clássicos onde me retive horas enquanto estudante. Os que me apetece ler são livros técnicos de sociologia política, autobiografias, história de Portugal, história contemporânea, ensaios e discursos para o país e para o mundo. É estranho este apetite que acaba por me confundir. Geralmente compro uns que quero ler e outros que quero ter e acabo por acumula-los na mesa de cabeceira à espera do dia em que tenha tempo para abrir um deles. Como homem com amante, acabo por ceder à sedução do New Courrier, ou de uma revista de um semanário qualquer e fico-me por ali. Não tenho tempo para leituras que antes sorvia no comboio, nem guardo tempo para leituras que troco para filmes. È mais fácil, e permite-me estar mais confortável.
Ás vezes, às duas da manhã, dá-me uma vontade súbita de ler. Fiz isso há dias, e agarrei num dos que são para ler – ensaios de Vaclav Havel. Três parágrafos depois estava a dormir profundamente. Tenho de escrever um...

quinta-feira, 10 de novembro de 2005

Sampa

Reduzimos o Brasil ao Samba e ficamos com a frustração de só o ouvido isso no restaurante mais turístico de São Paulo. Sampa é tal qual a letra da Rita Lee, meninas produzidas empoleiradas em saltos, cabelos esticados à chapa quente, debaixo de amalgamas de hidratantes. Casas pequeninas transformadas em restaurantes de luxo que cobram como as lanchonetes janotas de Lisboa. Sampa não tem nada a ver com samba, como Lisboa já não tem nada a ver com fado embora tenha essa fama. Obriguei paulistas a levarem-me ao samba, mas queriam era sons electrónicos em discotecas undreground com decorações freak.
Não tem nada a ver com praia porque nem sequer é Baía, não tem portos, nem mar e o único rio que por lá passa, o tiête é um lodo que arrasta excrementos de favelas maiores que Portugal todo junto e atravancado por prédios gigantes de grades de segurança que sobem ao terceiro andar.
Todas fingem orgasmos, todas preferem rapidinhas, todas são submissas e despreconceituosas. Todas agradam os homens e agradecem – e cedem a um pequeno agrado. Fácil. Todos olham para o lado, são malandros e malandrecos. Mas menos que no resto do Brasil. São vaidosos e siliconados nos locais que menos imaginamos e exibem músculos tão reais quanto os cabelos lisos. Consomem e consomem-se. Aos domingos à noite mais ainda. Na 25 de Março muito. E não se queixam, só dos políticos porque não acreditam nem se fazem acreditar. Cada um por si e deus por todos. Abro os braços mas não os fecho por ninguém. Logo á noite há balada, não querem vir?