segunda-feira, 24 de maio de 2004

Conhecida capítulo I

Não havia mais nada a fazer. Assim, Joana pegou na sua carteira de pele, com uns metais incrustados e resolveu sair dali o mais rapidamente possível. A cara fervia e as orelhas também. Na cabeça um só pensamento – ficaram a rir-se de mim e por isso é que tenho as orelhas quentes, que parvoíce pensar que se fica com as orelhas quentes quando supostamente estão a dizer mal de nós, mas eu fico sempre, deve ser dos nervos.
Saiu disparada em direcção ao autocarro. Estava incrédula sobre a forma como as coisas tinham corrido naquela porcaria daquela entrevista. Ainda por cima sem nenhuma explicação, ou melhor uma explicação humilhantemente medíocre. Excluída por não corresponder ao perfil. MAS COMO? A falar quatro línguas, com uma licenciatura em Comunicação Social tirada no tempo certo, sem uma única cadeira para trás, e – modéstia à parte – um corpinho bem feito e uns grandes olhos azuis, tornava-se quase incompreensível. O melhor seria nem pensar mais nisso. As cunhas voltavam a dar de si e mais uma vez nada, o silêncio reinava entre os candidatos. Uns porque não tinham sido escolhidos e preferiam calar-se a denunciar a situação vestindo a pele de mau perdedores. Os outros porque conseguiram pôr as ditas cunhas a «funcionar» e como tal tinham passado à fase seguinte, e seguinte, e seguinte, até serem finalmente escolhidos para fazerem parte do novo staff aéreo da TAP.
Enfim, não valia a pena pensar em mais nada. A viagem do comboio parecia nunca mais ter fim, nunca mais chegava a casa. Não estava com paciência de falar com os pais, as irmãs ou o namorado. Enfrentar as sucessivas perguntas do «Como correu?», «Mas o que é que eles disseram?», enfim, uma série de perguntas que não lhe apetecia de todo responder. Resolveu passar pelo Centro Comercial e comparar umas botas. Por um lado já tinha outro assunto para falar em casa, por outro não ia pensar no assunto durante o tempo que fosse demorar a aquisição. É que para além de tudo, o facto de não ter sido aceite ia, automaticamente, alterar todos os planos para os próximos meses, mas nisso também não lhe apetecia pensar. Chegou a casa contou logo, na esperança de não fazerem as tais perguntas, mas fizeram e ela teve de responder até que, às tantas, farta disse, «Bom, não me apetece falar mais deste assunto.» Pensou rápido num tema que teria pano para mangas e que alguém lá em casa estivesse disposto a querer que outro alguém ouvisse. Nada melhor do que perguntar por um caso amoroso em desenvolvimento. Geralmente, aos outros não apetece ouvir, mas ao próprio apetece contar. «Conta lá mana, o Miguel voltou a telefonar-te foi?» E finalmente desligou.

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