Conhecida capítulo II
Nos dias seguintes não sabia bem o que fazer. Acordava cedo, preparava mais curriculuns, arrumava o quarto, ia beber o café ao café mesmo na rua em frente a casa, como uma rotina pré-estabelecida comprava o jornal, via se havia alguma solicitação que pudesse ter interesse para ela e se assim fosse ia tratar da carta de apresentação, mudando apenas a quem se dirigia e enviava, ou caso não houvesse nada ia á Internet fazer buscas de emprego e navegar por sites de bolsas sem qualquer ligação com a sua área. Encontrava um site mais interessante e ficava o resto da manhã até à hora do almoço, a ler fofocas de vedetas internacionais.
Durante uma semana tudo se manteve da mesma forma, com a mesma rotina, dia após dia. À tarde estava com o namorado, mas havia algo que a mudar. Estava a tornar-se cada vez mais impaciente e rabugenta. Implicava por todas as razões e mesmo sem razões; andava nervosa e chorava com a maior facilidade. Bastava ver uma cena mais triste num filme que chorava desalmadamente, a uma pequena contrariedade reagia aos berros com todos. Estava a tornar-se, francamente insuportável. As mudanças de humor começaram a ser tantas que já ninguém tinha muita paciência para a aturar. Começou a viver num pacto mudo e surdo, onde não conversava com ninguém, mas também não queria ouvir ninguém. Não sabia da relação da sua irmã Maria com o Miguel, mas também não queria saber. Evitava estar em casa à hora do jantar que invariavelmente era às 8 horas, para não ter de partilhar aquele momento com a família. Não que os pais comunicassem muito durante essa hora sagrada, porque a rigidez da educação naquele família sempre ensinou a que a esta hora não houvesse muito diálogo, e porque o pai, como homem das letras, preferia ficar atento ao que se passava no mundo, com a televisão com um volume exagerado por excesso devido à sua surdez do ouvido esquerdo. Mesmo assim, preferia estar ausente, não tinha que olhar para a cara da mãe, que permanentemente a observava com um olhar de «Filha, não ouve nenhum telefonema para entrevista? Filha, não te preocupes que não tarda nada encontras alguma coisa.» Era demasiadamente misericordiosa para a sua personalidade, por isso dispensava pena. «Pena têm as galinhas» pensava enquanto ia de carro até à marginal fazer tempo para regressar a casa e, entrar na cozinha quando já todos estivessem na sala, num acto continuado de ver televisão, ou cada um no seu espaço privado da casa.
O tempo ia passando a cada vez mais duvidava de si,. Duvidava se tinha capacidades concretas ou se sempre tinha estado enganada com o valor que se auto proclamava. A auto-estima ia desaparecendo, e, na verdade, o dinheiro também. Nos últimos dias, já não ia de carro dar voltas pela marginal. Ia ao centro comercial, sentava-se num banco e ficava a olhar para um infinito sem pensar em nada, e a começar a ganhar pena de si. O último golpe surgiu quando numa discussão acesa, o namorado lhe disse que já não aguentava o seu «mau feitio», que preferia estar sozinho do que dar tanto a uma pessoa mal agradecida. Que estava sempre ao lado dela e que ela desprezava a sua companhia. Que ela estava a ficar maluca, porque ele não tinha pena dela, mas percebia que não era um momento fácil e por isso queria ajudá-la. «Tens pena, tens, mas eu não preciso da tua pena para nada, nem da tua ajuda, nem da tua companhia, por isso se quiseres podes ir-te embora que eu fico muito bem sozinha. Vens ter comigo porque tens pena de mim, sabes que eu não valho nada e ainda por cima humilhas-me a insistires para irmos a sítios sabendo perfeitamente que eu não tenho dinheiro, para seres tu a pagares e eu ficar-te agradecida. Não, meu menino, muito obrigado, mas não! Agradeço a tua preocupação e a tua pena, mas não quero. Fico muito bem sozinha.»
Sem comentários:
Enviar um comentário