quinta-feira, 13 de maio de 2004

Tentativa I

A chuva caía miudinha. Chuva «molha tolos» disse o taxista e eu sorri para a minha irmã e apanhando um tom brejeiro, encetei uma conversa que deu para me animar até chegar ao Aeroporto. Ficamos a saber que o senhor morava no bairro da serafina com os seus sete filhos e a mulher doente já tinha sido internada três vezes em Santa Maria por insuficiência renal. «tadita, nunca foi muito saudável… eu já sabia quando me casei, mas quando somos novos a gente só pensa é pela cabeça de baixo» e espreitou pelo retrovisor para avaliar do nossa reacção. Voltei a esboçar um sorriso que suscitou mais uma observação… «As meninas, posso chamar meninas não é?... mas dizia eu, as meninas não casem, aproveitem porque uma família só nos trás problemas…»
Chegamos e demos uma gorjeta medíocre dadas as necessidades visíveis do dito senhor. Para ele «valeu pl’opertunidadi de poder desabafar um bocadito e boa viage». Obrigadinhos dissemos com as mochilas às costas prontas para a nossa viagem, mais uma daquelas que anualmente fazíamos, sem hotéis nem encontros marcados apenas com um bilhete com volta marcada e um electron. Desta vez havia uma variante significativa. Não havia nem um trabalho interrompido por férias fora de época à espera do nosso retorno, nem um semestre a começar. A recessão tinha batido à porta do Portugal dos pequeninos e a dizia-se, lembro-me de ter ouvido no discurso do estado da nação, que a guerra também ia rebentar, com consequências indirectas e uma participação quase assegurada de Portugal. Não me importava minimamente de me ir embora. Não havia lugar para mim, nas empresas que estavam a falir e a despedir cada vez mais gente em Portugal, e felizmente, o subsídio de desemprego estava assegurado durante os próximos dois meses, por isso não teria grandes problemas em me sustentar lá fora algum tempo.
A minha irmã também não. Curiosamente o mesmo tinha acontecido com ela. Com pequenas variantes, ela tinha uma indemnização, e eu não, mas de resto estávamos, mano a mano ou «mana a mana».
A reentre estava a chegar, mas as festas habituais já não me despertavam interesse. Aparecer numa ou noutra revista ao lado de uma amiga que é mais ou menos mediática, ou simplesmente picar o ponto e ganhar mais um dos temas de conversa para os cafés que iria tomar fazendo roer de inveja aqueles que como eu anos antes tinham de penar para um qualquer convite que agora, quase preferia não receber.
É assim a vida, só se quer o que se não tem.

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