Tentativa II
È a associação de sentidos que me dá a realidade e por isso habituei-me a gostar de sabores, cheiros, ambientes, cores, texturas, em vez dos objectos e das pessoas. Esta é uma triste conclusão que só recentemente cheguei e foi preciso passar por várias e diferentes experiências na minha curta vida. Por isso, se este é o meu «testemunho», é também uma despedida daquilo que sou.
Nunca me apercebi bem das pessoas, só das vozes delas, de como soletram, do timbre, da rouquidão e da suavidade. Reconheço rugas, barbas, cabelos, pêlos encaracolados ou lisos. Os cheiros da comida, dos perfumes, das ruas, dos escapes, das árvores. Por isso – e se antes nunca me tinha apercebido, agora que escrevo mais claro se torna – quando viajei procurei sempre tocar, sentir a textura das árvores, dos assentos, da roupa da pessoa que senta ao meu lado. Lembro-me de uma viagem a Paris, em que snetado no avião esperei que a senhora que estava ao meu lado adormecesse para lhe tocar na face. Fi-lo quando serviram a refeição, porque queria sentir as rugas vincadas, hidratadas por um qualquer creme barato, com várias camadas de outros produtos. Senti o cheiro, e o cabelo crespo impregnado provavelmente por uma laca também barata, porque não o deixava respirar. Estava seco, espetado, e era rijo. Reconheci-a pelo cheiro, dias mais tarde no Sacré Coeur, provavelmente fazendo parte de um qualquer esquema turístico. Fazia-me lembrar uma música árabe. A música que ouvi no avião, enquanto lhe toquei nos cabelos e na face.
A minha vida é passada assim, a sentir. Os cheiros também são importantes. Gosto de decompo-los, perceber que estiveram a cozinhar, reconhecer tipos de suor, misturados com desodorizante, ou eaus de toillette.
1 comentário:
Bem... uma sinestesia completa. Acho que decididamente me convenceste. Partilho essa tua visao simplistada decomposiçao de tudo em elementos (cheiros, palavras, cores , no fundo os sentidos).
Enviar um comentário